terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Esperança

Uma esperança, pequena, caminhando na tela brilhante à minha frente. 
Tudo em volta é escuridão.
Me pergunto se eu devo esmagá-la.
Se vai demorar até ver outra.
Eu a toco, mas não a esmago.
Pesada pra algo tão pequeno. Forte.
(Resista!)

Ela pousa no meu dedo indicador, me assusta, 
volta pra tela de fundo branco 
e continua a desenhar algo sem sentido.
(Acredite!)

Eu a derrubo para a sombra, torcendo para que morra sem que eu saiba.
Mas ela logo volta.
Se aquecendo numa luz falsa, insistindo em se mostrar pra mim.
Ela some, mas é como se estivesse lá. 
Volta.

Por quê?
(Estou aqui, apesar de tudo!)

Com alguma pesquisa, descubro que não é uma esperança, mas uma pequena praga. 
Ainda assim, não quero matá-la.
(Acredite!)

Espalho suas entranhas pela minha mesa com a ponta do lápis, 
separo sua cabeça do corpo e encaro seus olhos espalhados. 
Era dura, não gritou, não acreditou que eu faria.
Eu fiz.
E atirei seus restos no chão empoeirado.

(Silêncio.)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Lama




Meus pés tocaram a lama que se espalhava como uma onda leve quebrando na areia. Aos poucos eu senti o cheiro e logo meu tornozelo havia sumido sob aquela neve escura. Ficava denso, era ruim de caminhar, mas eu segui em frente. 



Isso já aconteceu outras vezes, por que eu afundaria como na única vez em que deu errado? 


Aos poucos as flores acenam pra mim, como se eu estivesse me afastando. A dormência logo aparece, como um velho cobertor deliciosamente confortável. Vai me cobrindo aos poucos. Eu já o vesti uma vez, como uma armadura, carreguei enquanto brandia um machado e berrava sobrevivência internamente. Mas agora, de novo, é só uma manta de algodão e seda, me convidando para dormir, onde eu imagino que vou sorrir docemente.

Por favor, não deixe meu sorriso morrer de novo.

A chuva começa a cair no meu rosto, tão rala que não abre caminho no piche que agora acaricia minhas coxas. Uma chuva salina, gentil. Me dizendo que há como transbordar a imundície, como sempre foi feito, há como lavar e aliviar, veja, logo a chuva se torna um pequeno rio de esperança.

Esperança...?

Eu estou chorando, meu deus, eu estou chorando. Isso não é um chuva.

Meu tórax aperta. Onde está aquela nuvem que eu usava para anestesiar? 

Ah... a lama já subiu até aqui...

Eu vou conseguir de novo, é só um momento.... não é?

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Novo reflexo?




Eu não sei quem é essa.Talvez o que sempre fui agora esteja maturando. Eu sei que tem muita coisa dentro de mim que voltou a germinar. Muita coisa. Eu sou feliz. Mas a tristeza em mim sempre foi tanta que ainda transborda pelas pequenas frestas. O medo também espreita.

Eu vejo linhas na minha pele, sinto o que sou, o que fui. Eu sabia que podia amar, mas sabia que estava quebrada bem na alavanca do engate. Estou tão diferente, menos da garra que costumava ter, da fúria que me alimentava. Eu amo, por deus, e com muita força! Mas... aquela som do quebrar, aquela sensação do vazio...

Eu ainda tenho tanto medo...

E por temer tanto é que tenho ainda mais medo, pois posso voltar a ser o que era.
A sombra da dúvida me sussurra que nunca deixei de ser nada.
A sombra da dor me sorri, assoviando uma esperança.

sábado, 8 de novembro de 2014

Doll



I'm cursed. 
I'm not able to be happy and I will never be. 
I will keep on living, but I must change: 
I must act as I'm safe and no one will ever know the truth. I must keep my mouth dead.
As a doll.
I am powerless, I'm not even human, just shaped as one. A pathetic one.
I'm not able to love anymore.

I don't wanna fall from the shelf again.
I'm closing my eyes made of glass, I'm covering my ears with an old ribbon.
And no song must be played until I open them one more time.

I hope the silence remains forever.

sábado, 13 de setembro de 2014

Dedos de vidro



Enquanto o pesado ônibus balançava, numa fração de segundo, sua mão havia atravessado o vidro à sua frente. Não havia ninguém ao seu lado, a cadeira após a porta que ficava frente ao vidro de proteção fora sua única testemunha. O relâmpago contendo toda a emoção, contida, que carregava em seu cérebro havia sido lançado através de seu braço até desencadear o impacto de seus pequenos dedos, protegidos em forma de soco, na placa de vidro à sua frente. Em um instante não havia nada para sentir, apenas ver o balé sem sentido que os cacos formavam no ar antes de cair no chão.

Filetes de dor percorreram sua mão, e logo fitilhos cor de carmim desenhavam caminhos em sua pele, como rachaduras desesperadas em dar lugar à algo que estava crescendo sob o solo. Como fios de cabelo, singulares, gelados, dançando em sua superfície, um breve prazer tomou conta de tudo. Como uma pequena flor de carne, a mão abriu-se. Mesmo assim, nenhum grito. Fechou os olhos e pôde ver o ferimento por detrás de suas pálpebras, brilhando. As cores formavam uma sinfonia e sua alma estremeceu, comovida. De repente tudo havia se libertado mas, em outro segundo, o sangue passou a espirrar como uma fonte impura e fétida. Não havia beleza dentro de si, apenas o húmus de toda a imundície. Sua mão continuava a se transformar numa flor, cada vez mais aberta, florescendo, esperneando. Mas seus dedos lembravam galhos velhos, pendurados, impossibilitados de sentir qualquer coisa. E tanto que os havia protegido... agora já não podiam sentir, não podiam ser parte daquilo.

Então chorou. Chorou de pesar pelo esforço em proteger aqueles pequenos dedos que tanto ansiavam em sentir, em tatear algo inacreditável, mas apenas haviam servido de enfeites para a flor de carne, que agora começava a se desvanecer. Viu os fitilhos virarem sonhos, viu a flor morrer como um suspiro, na metade do tempo que levara para se libertar. Abriu bem o punho e viu as linhas de sua mão. Olhou para o vidro intacto à sua frente. O ônibus balançara mais uma vez e logo chegaria ao seu destino. Deslizou a ponta do indicador por ele, pensando, lembrando das rachaduras e da impureza que arrastava-se no subsolo de seu íntimo. Continuaria tudo aprisionado.

Chorou por dentro mais uma vez e saltou em seu ponto, o vento frio afagando suas bochechas em seu caminho para casa.

domingo, 10 de agosto de 2014

Fantasmas



Eu ouço as crianças me chamando para dançar na floresta.
Elas batem em minha porta e me descrevem as ranhuras das árvores.
Eu ouço seus risos, vejo suas pálpebras como mariposas dançando sob a luz.

A lua acaricia os cabelos que balançam no vento frio: o sussurrar aumenta.
O crepitar das folhas secas é como um tapete de boas vindas, 
e o cheiro de terra e musgo faz com que eu feche os olhos em regojizo.
Ainda posso vê-las, as crianças, enquanto acenam pra mim.
Mas não há ninguém lá.
Mesmo que eu sinta pequenos dedos acariciando meu rosto,
mesmo que eu aperte a mão que me puxa, num convite às sombras,
eu sei que não há ninguém lá.
Eu sei que esse beijo frio em minha testa não existe.
Eu sei que essas orbes brancas me encarando não vão me deixar partir.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Gotas


Sempre absorvi todos os golpes mais fortes.
Sempre me convenci de que revidar não valia a pena.
Sempre acreditei em me deixar levar até que as coisas ruins sumissem, como fazem todas as sensações que tenho. Como todos os sentimentos que crio, como todos os sonhos que desenho.
Todas as vezes que me descontrolei eu assumi as rédeas um pouco depois, com precisão, com força.
Mas eu queria revidar. Eu queria fazer algo de ruim para que parassem.
Eu queria usar as chances que eu tinha. Eu queria ter comprado a arma naquele dia, eu queria ter trancado ela e ateado fogo em seu corpo. Eu queria atirar no rosto daquelas pessoas. Eu queria ter quebrado as garrafas de vidro no ouvido de quem se aproximou demais. Eu queria ter rasgado, com meus dentes, enquanto meu rosto era forçado à coxa daquela pessoa que fedia à cigarro e bebida.
Mas eu sempre absorvi todos os golpes mais fortes.
Mas eu sempre me convenci que revidar não valia a pena.
Até que eu perdi o juízo e parei de funcionar.
Aos poucos, eu reabro os olhos.

Mas como o médico sabia que eu faria essas coisas?
Como o psiquiatra sabia?
Os anti-depressivos mudaram com o tempo,
mas por que esse remédio anti psicótico? Por que esse remédio
anti-surto?

Como eu posso libertar tudo isso?
O que eu faço?
Eu quero chorar, por que é engraçado?
Por que essa sensação é tão familiar?