domingo, 10 de agosto de 2014
Fantasmas
Eu ouço as crianças me chamando para dançar na floresta.
Elas batem em minha porta e me descrevem as ranhuras das árvores.
Eu ouço seus risos, vejo suas pálpebras como mariposas dançando sob a luz.
A lua acaricia os cabelos que balançam no vento frio: o sussurrar aumenta.
O crepitar das folhas secas é como um tapete de boas vindas,
e o cheiro de terra e musgo faz com que eu feche os olhos em regojizo.
Ainda posso vê-las, as crianças, enquanto acenam pra mim.
Mas não há ninguém lá.
Mesmo que eu sinta pequenos dedos acariciando meu rosto,
mesmo que eu aperte a mão que me puxa, num convite às sombras,
eu sei que não há ninguém lá.
Eu sei que esse beijo frio em minha testa não existe.
Eu sei que essas orbes brancas me encarando não vão me deixar partir.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Gotas
Sempre absorvi todos os golpes mais fortes.
Sempre me convenci de que revidar não valia a pena.
Sempre acreditei em me deixar levar até que as coisas ruins sumissem, como fazem todas as sensações que tenho. Como todos os sentimentos que crio, como todos os sonhos que desenho.
Todas as vezes que me descontrolei eu assumi as rédeas um pouco depois, com precisão, com força.
Mas eu queria revidar. Eu queria fazer algo de ruim para que parassem.
Eu queria usar as chances que eu tinha. Eu queria ter comprado a arma naquele dia, eu queria ter trancado ela e ateado fogo em seu corpo. Eu queria atirar no rosto daquelas pessoas. Eu queria ter quebrado as garrafas de vidro no ouvido de quem se aproximou demais. Eu queria ter rasgado, com meus dentes, enquanto meu rosto era forçado à coxa daquela pessoa que fedia à cigarro e bebida.
Mas eu sempre absorvi todos os golpes mais fortes.
Mas eu sempre me convenci que revidar não valia a pena.
Até que eu perdi o juízo e parei de funcionar.
Aos poucos, eu reabro os olhos.
Mas como o médico sabia que eu faria essas coisas?
Como o psiquiatra sabia?
Os anti-depressivos mudaram com o tempo,
mas por que esse remédio anti psicótico? Por que esse remédio
anti-surto?
Como eu posso libertar tudo isso?
O que eu faço?
Eu quero chorar, por que é engraçado?
Eu quero chorar, por que é engraçado?
Por que essa sensação é tão familiar?
segunda-feira, 4 de agosto de 2014
Lótus
A flor de lótus cresce na escuridão e na lama. Ela só floresce quando o seu haste espinhoso atravessa a superfície lodosa do lago em que vive, mas suas raízes permanecem no lugar onde se originou. A semente pode esperar mais de uma vida para germinar.
Não é triste? Mesmo que suas pétalas sorriam para aqueles que contemplam o lago e seja beijada pelos raios de sol todos os dias, no fundo, ela está sempre agarrada à escuridão. Ela morreria sem a ausência de luz em seu íntimo, morreria se abandonasse o lodo. A flor permanece imaculada embora sob as folhas estão seus espinhos. Ela simboliza a renovação, alguns dizem. Simboliza a vida eterna. Seus frutos, suas pétalas, somem no inverno mas não suas raízes. Ela estará lá enquanto puder.
Talvez como aquelas almas que florescem de tempos em tempos.
E de uma delas eu ouvi a canção da flor de lótus que, por amores à lua e pelo sol, estrangulou-se. Suas pétalas ganharam uma cor mais vívida antes que ela apodrecesse. A cálida luz da lua e o implacável calor do sol apenas observaram aquela declaração silenciosa de amor. Seus frutos foram os mais saborosos daquela estação.
Ela não queria viver para sempre, queria sentir o máximo que pudesse até sua vida cessar.
Quem diria que não morreu feliz?
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