quarta-feira, 16 de julho de 2014

Reflexo


O som dos grilhões eram uma sinfonia de pequenas pétalas tocadas por seres invisíveis na mais absoluta escuridão. Eu me movia para saber que ainda estavam lá e que minha pele existia. Que minhas feridas iriam doer. Eu me movia apenas para que a dor da respiração me fizesse sorrir. Mas eu nunca vi a cor do ferro que me atava. Eu nunca vi o formato dos cacos que a melodia me fazia dançar em cima. Aquilo não chegava a ser loucura, era conforto.

Então um raio de luz, límpido, de um púrpura que quase desenhava pequenas alegrias na parede, fez com que eu percebesse: havia mais. Me acostumei àquela iluminação fantasmagórica e vi aquele reflexo. Era de uma pequena, ela parecia tão... inútil. Ela me observava através do véu daquela superfície, assustada. Logo me acusava, apontava minha feiura, minhas fraquezas, minha insignificância. Eu levantava meus finos braços num convite, mas a sinfonia das correntes tocavam e eu apenas via a pequena apontando seus dedos, fracamente, para mim mesma. Logo não era uma pequena, mas duas, três... muitas. O que queriam? Eu não estava sozinha ali? Por que me olhavam daquela forma?

Uma chuva começou, salgada, levemente fria. Afastei o cabelo do meu rosto e pude ver aqueles olhos, tão castanhos, como um filhote de fera perdido. Eu ri enquanto a chuva traçava linhas em meu rosto. As faces diante de mim permaneciam impassíveis, tão duras quanto a bola de ferro que me prendia àquele lugar.

Então... um gosto metálico, adocicado, tomou conta de mim. Ajoelhei nos cacos espalhados pelo chão de pedra e musgo enquanto meu corpo estremecia, febril. Ouvi risadas. Senti minha boca rasgar-se num sorriso escancarado, bestial. A chuva continuava caindo e agora mãos pousavam sobre minha cabeça e me afagavam. Eu as mordi enquanto as gargalhadas acompanhavam a melodia dos grilhões. O gosto metálico... se intensificou. Aquilo ainda não era loucura.

A luz se foi. Voltei a dançar. Mas não estava mais sozinha. Haviam novas feridas, de alguma forma.
Eu estava viva
Então eu sorria. 

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