No começo a sensação foi maturando dentro de mim, como uma criança. Um filhote quimérico que pouco lembrava uma cria humana. Jamais dei uma palavra.
Talvez seu choro fosse de um timbre agudo, mas eu sentia seu pequeno focinho me beliscando. Os pequenos dentes, agulhas geladas como o inferno de um velho escritor, rangiam enquanto mastigavam as entranhas do meu espírito. Quantas vezes implorei para que me devorasse de uma vez? E ao mesmo tempo eu ansiava pela carícia, aquele focinho de veludo, macio como a superfície de um cogumelo, como que a me dizer "está tudo bem, somos só nós, a dor vai passar." Ia e voltava, como uma maré noturna onde apenas o barulho podia ser ouvido e o vento carregava pequenas gotas salgadas.
Sim, eu me acostumara. E ainda era o período cromático, onde pequenas manchas surgiam em minha superfície. Eu estava morta, mas ainda havia vida em mim. Não dei uma palavra sobre isso.
Eu não expunha aquilo. Oh não, e como um gás foi me preenchendo. Logo meu interior estava cheio de nada, de ar, eu era leve e por isso meu exterior começava a se modificar. Aquela criatura agora me afagava por dentro e já tendo mastigado minhas tripas partiu para os recônditos da minha mente. Talvez estivera sempre lá. Logo nada fazia sentido, não havia vontade. Como águas etéreas eu me vi afundando e sendo parte daquele ser: estava eu grávida de mim mesma e carregando apenas à mim? Eu era o monstro, e queria me parecer como tal. Mas como iria me parecer com meu interior sem deixá-lo para trás? Sem deixar de ser o que sempre fui?
Então caíram os pedaços. Parte desintegrou naqueles tempos, mas esse era um processo contínuo. Eu jamais seria inteira novamente. Mas eu estava amolecida, e foi quando os vermes apareceram. Como me senti feliz! A fera em mim adormecera e só os vermes me faziam sentir vida! Como eu iria saber que me destruíam para que pudessem viver? Lembro-me da viscosidade de seus beijos, o asco hoje é absoluto, e eu estava em paz com cada pedaço meu que era devorado. Eu era um deles, aceita por eles! Ah...
Os vermes se foram. Pouco restou além de ossos e meu espírito era agora um fantasma de desenhos animados: caricato, inútil, sem sentido. Eu sabia que aquilo iria se preservar para sempre. Mesmo assim, não chorei uma colher sequer.
Guardei o esqueleto daquela alma que fora minha um dia. Hoje caminho como a quimera que maturei dentro de mim. Criada da minha carne e regada em minha decomposição. Sou eu, sou ela. Transbordada. Criada no sal e na ferida.
Putrefada antes mesmo de cessar a respiração. Pronta para o que está por vir.
Em paz comigo mesma, com a boca cerrada e de olhos bem abertos.